O Núncio Apostólico no Brasil, dom Giovanni d"Aniello, participou
nesta sexta-feira, 15 de fevereiro, em Nísia Floresta (RN) da cerimônia que
marcou os 50 anos da Campanha da Fraternidade, promovida pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil. A seguir, reproduzimos a íntegra do discurso
apresentado por ele na solenidade.
Eminências e Excelências Reverendíssimas
Distintos membros do Regional Nordeste 2 da CNBB
Meus amigos,
Agradeço de coração o convite para participar do lançamento da Campanha
da Fraternidade de 2013, numa celebração que faz parte da comemoração dos 50
anos que, por iniciativa do saudoso Cardeal Dom Eugênio de Araújo Salles,
iniciou sua caminhada de solidariedade e de esperança da Igreja no Brasil.
Ao Arcebispo de Natal, Dom Jaime Vieira da Rocha, minhas sinceras
homenagens de gratidão também por aceitar que a celebração fosse realizada
nesta Igreja local, relembrando a primeira Campanha realizada na Arquidiocese
de Natal, em abril de 1962.
A visita de Suas Eminências e Excelências a Nísia Floresta e Timbó teve
um expressivo significado para a história da evangelização no Brasil, pois
refletia a particularidade de recordar o objetivo primordial da Campanha, destinada
a recolher meios para as obras sociais e apostólicas da Arquidiocese. Sua
importância foi logo percebida, pois, nos anos seguintes, estendeu-se, através
de seus diversos temas, a todo o território nacional.
Como foi justamente ressaltado pelo Secretário Executivo da Campanha, o
Padre Luiz Carlos Dias, a edição de 2013, além de ser um momento comemorativo,
será também um momento de revisão da Campanha da Fraternidade, frisando a
necessidade de um aprimoramento da Campanha para que esta possa ser sempre mais
um “forte poder de evangelização”.
Penso que todos estamos de acordo que esta celebração adquire uma
importância ainda maior, considerando que estamos no Ano da Fé que, como
afirmou o Santo Padre, foi instituído para suscitar “em cada crente, o anseio
de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com confiança e
esperança” (Carta Apostólica Porta Fidei, 9). Nesse sentido, o tema da
Campanha, sugerido e aprovado para este ano, não podia ter sido melhor:
“Fraternidade e Juventude”. Por certo, as diretrizes propostas são dirigidas a
todos os católicos indistintamente, mas existe uma feliz coincidência no seu
objetivo, se pensarmos que, dentro de poucos meses, o Brasil será sede da
Jornada Mundial da Juventude.
Essa convocação foi feita pelo Papa Bento XVI ao anuncia o lema da
Jornada Mundial da Juventude Rio 2013. “Ide e fazei discípulos entre todas as
nações” (Mt 28,19), durante a audiência geral no dia 24 de agosto.
Em 2011, na Capital da Espanha, o Papa chamou aquela Jornada de “uma
formidável experiência de fraternidade, de encontro com o Senhor, de partilha e
de crescimento na fé: uma verdadeira cascata de luz”.
Por isso, é tão importante que os jovens do Brasil e do mundo assumam
desde agora esse chamado à missão e participem da Jornada como testemunhas
vivas do Cristo.
Esse tema é para ser refletido e meditado: fazer discípulos e chamar
outras pessoas para a comunhão e o convívio com o Senhor. Esse mandato, essa
missão já está anunciada nos Evangelhos. E, na verdade, só faz discípulo quem já
é discípulo, quem convive com o Senhor.
“O que ganha o discípulo de Jesus? Ganha a pertença ao reino, a certeza
do amor de Deus, ganha a certeza de ser para os outros sinal de misericórdia e
amor. Ganha o levar e doar a paz do Senhor. São esses os frutos e os dons
de que o mundo mais precisa. O perdão, a misericórdia, a paz é que farão
diminuir na sociedade, no mundo de hoje, a violência, a guerra, a corrupção, a
maldade, tudo aquilo que tira a possibilidade do jovem crescer e colocar toda a
sua riqueza e vitalidade a serviço da humanidade”, afirmou o Papa.
No mandato final do texto de Mateus – “Ide e fazei discípulos entre
todas as nações” – está o grande sonho de todos, porque o contato com o Senhor,
a amizade com Ele, desperta o que cada um tem de melhor em si mesmo.
“Vivemos num mundo onde há muitos desperdícios, perdas humanas por falta
de chance. O convívio com o Senhor desperta o que temos de melhor. O
anúncio “Ide e fazei discípulos entre todas as nações” é um anúncio para a vida
toda. Em nenhum momento podemos interrompe-lo, porque ele supõe que quem é
amigo do Senhor, por sua vida e por seu estar no mundo, comunica aos outros a
luz, a beleza e a alegria de ser discípulo do Senhor. Essa é a missão de que
precisa a nossa Igreja”.
“Ide e fazei discípulos entre todas as nações!” (Mt 28,19) é o lema da
Campanha.
Confiando-nos este mandato, o Senhor quis acentuar a confiança que em
nós deposita e confirmar os sentimentos de amizade que nutre por aqueles que
estão dispostos a segui-lo.
Amigos e mensageiros! Que combinação maravilhosa, que descoberta
extraordinária a de saber-nos amigos de Cristo e seus colaboradores na
construção do Reino. Mas também, quanta disponibilidade encerra e quão grande
tem de ser nossa consciência ao sabermos que o Senhor quer servir-se de nós
para espalhar seu amor pelo mundo inteiro.
Como disse o Santo Padre Bento XVI em sua mensagem à Juventude em 2012:
“A Igreja tem a vocação de levar ao mundo a alegria; uma alegria autêntica e
duradoura, aquela que os anjos anunciaram aos pastores de Belém na noite do
nascimento de Jesus (cf. Lc 2,10). No difícil contexto atual, muitos jovens ao
vosso redor tem uma imensa necessidade de sentir que a mensagem cristã é uma
mensagem de alegria e de esperança!”
Como a Igreja nos ensina, esta missão tem de ser levada à frente com
amor.
Como nos lembra o Santo Padre Bento XVI em sua encíclica: Deus caritas
est, esse amor não é uma condição abstrata, mas é uma pessoa: Jesus; é um
acontecimento através de sua encarnação, morte e ressurreição. Algo que não
acabou, mas que se repete e que age em todos os momentos de nossa vida através
da ação do Espírito Santo: a redenção continua sempre.
A humanidade tem caminhado ainda agora e sempre caminhará com fome da
palavra e do conhecimento de Deus, mesmo que muitas pessoas não estejam
conscientes dessa profunda necessidade de suas almas. E ao conceder-nos o dom
da fé, o Senhor impõe-nos o dever de despertarmos e de despertar aqueles que se
encontram mergulhados no sono da ineficácia e da morte.
Compete-nos o dever diário de renovar o desejo de colocar Cristo no cume
e no íntimo das realidades humanas. Para isso, é necessário crescer no
relacionamento pessoal com Deus e na entrega aos outros, contribuindo com o
nosso grãozinho de areia – a entrega diária total – para a construção de um
mundo renovado pela graça e pelo sal do Evangelho, que o Senhor confiou aos
seus discípulos.
Precisamente por isso, a formação da juventude deve ter sempre uma
especial importância nas diretrizes pastorais de cada Diocese. Em várias ocasiões,
o Santo Padre Bento XVI fez notar as contradições do tempo em que vivemos. “Em
várias partes do mundo, existe hoje um estranho esquecimento de Deus. Parece
que tudo caminha igualmente sem Ele. Mas existe, ao mesmo tempo, também um
sentimento de frustração, de insatisfação de tudo e de todos. É espontâneo
exclamar: não é possível que esta seja a vida! Deveras, não. E assim,
juntamente com o esquecimento de Deus existe um “boom” do religioso. Não quero
desacreditar – diz o Santo Padre – tudo o que existe neste contexto. Pode
existir nisto também a alegria sincera da descoberta. Mas para dizer a verdade,
não raramente a religião se torna quase um produto de consumo. Escolhe-se
aquilo de que se gosta, e alguns sabem até tirar dela algum proveito. Mas a
religião procurada a seu ‘bel-prazer’ no fim não nos ajuda” (Homilia,
21-8-2005). E o Papa concluía com o seguinte convite: “Ajudai os homens a
descobrir a verdadeira estrela que nos indica o caminho: Jesus Cristo!”
Não é por acaso esse risco que a nossa juventude está correndo?
Analisando os ensinamento dos Santos Padres, Bento XVI detém-se num ponto de
particular importância para os momentos atuais. Ele afirma que o grande erro
das antigas religiões pagãs consistiu em ignorar os caminhos traçados no fundo
das almas pela Sabedoria divina. “Por isso, o ocaso da religião pagã era
inevitável: fluía como consequência lógica do afastamento da religião reduzida
a um conjunto artificial de cerimônias, convenções e hábitos” (Discurso na
audiência geral, 21-2-2007). O Papa acrescenta que os antigos Padres e
escritores cristãos, pelo contrário, optaram pela “verdade do ser contra o mito
do costume” (Ibidem). Tertuliano, como menciona o Pontífice, escreveu: “Dominus
noster Christus veritatem se, non consuetudinem, cognominavit Cristo afirmou
ser a verdade, não o costume”. (Sobre o véu das virgens, I, 1 PL 2,889). O
Sucessor de Pedro nos assinala que “a este propósito observe-se que a palavra
consuetudo, aqui empregada por Tertuliano referindo-se à religião pagã, pode ser
traduzida nas línguas modernas com as expressões <>,
<>” (Ibidem).
Não tenhamos dúvidas: apesar da aparente vitória do relativismo em
alguns lugares, esse modo de pensar e de desorientar tantas pessoas acabará por
desmoronar como um castelo de cartas de baralho, por não estar escorado na
verdade de Deus Criador e Providente, que guia os caminhos da história. Ao
mesmo tempo, a realidade que vemos à nossa volta deve nos encorajar a não nos
abandonarmos e a não abandonar as pessoas que estão num estado de desilusão e
de falta de conteúdo.
Nossos jovens necessitam da fé e do vigor que ela nos transmite. A eles
é preciso dizer: “Convençam-se e suscitem nos outros a convicção de que nós, os
cristãos, temos de navegar contra a corrente. Não se deixem levar por falsas
ilusões. Pensem bem: contra a corrente andou Jesus, contra a corrente foram
Pedro e os outros primeiros apóstolos e todos aqueles que ao longo dos séculos
quiseram ser discípulos fiéis do Mestre. Tenham, pois, a firme persuasão de que
não é a doutrina de Jesus Cristo que deve se adaptar aos tempo, mas sim os
tempos é que devem abrir-se à luz do Salvador”.
Vamos confiar nas palavras de Bento XVI quando vem afirmando que:
“Caritas Christi urget nos – o amor de Cristo nos impele” (2Cor 5,14): é o amor
de Cristo que enche os nossos corações e nos impele a evangelizar. Hoje, como
outrora, envia-nos pelas estradas do mundo a proclamar seu Evangelho a todos os
povos da terra (cf. Mt 28,19). Com seu amor, Jesus Cristo atrai a Si os homens
de cada geração: em todo o tempo, Ele convoca a Igreja, confiando-lhe o anúncio
do Evangelho, com um mandato que é sempre novo. Por isso, também hoje é
necessário um empenho eclesial mais convicto em favor de uma nova
evangelização, para descobrir novamente a alegria de crer e reencontrar o
entusiasmo de comunicar a fé (Porta Fidei, 7).
Não creio sair do objetivo desta minha intervenção se procurarmos
renovar nossa convicção de que, na linha pastoral de qualquer Diocese, devemos
incluir a necessidade imperiosa de que a juventude seja orientada e formada por
um sadio conceito da família.
É conhecida a sentença que, com pequenas variantes, afirma “Família
sadia, sociedade sadia. Família em crise, sociedade em crise”.
A abrangência dessa afirmação poder ser discutível, mas é inegável que
encerra um grande núcleo de verdade.
Sobre a importância social da família já se escreveram volumes
alentados, análises e estudos muito ponderáveis. Eu desejaria agora,
concretamente, frisar apenas uma das razões que, a meu ver, evidencia o nexo de
casualidade existente entre família sadia e sociedade sadia.
Refiro-me ao fato que, na sociedade, não há nenhum âmbito de crescimento
humano e moral, nenhum ambiente educativo, nenhum “coletivo” tão propício e
eficaz para o cultivo das virtudes como a família bem estruturada. E isso parece-me
de suma importância, levando em consideração que, no mundo atual, aparece
sempre mais evidente que a sociedade precisa das virtudes como de um oxigênio
vital, de virtudes aprendidas, arraigadas, exercidas e desenvolvidas até a
maturidade. Decadência social e ignorância ou desprezo pelas virtudes são a
mesma coisa.
A não ser que hoje ainda se considerem vigentes as afirmações feitas
pelo poeta Paul Valéry, em famoso discurso à Academia Francesa:
<>.
Seria de desejar que atitudes desse tipo tivessem ficado enterradas no
passado. Quando Valéry falava, virtude sugeria limite, enquadramento, barreira
obsoleta, num ambiente ébrio do vinho novo da liberdade. A centralidade da
virtude na formação do ser humano havia cedido o espaço à liberdade sem
limites, numa eufórica erupção de individualismo egocêntrico (que,
paradoxalmente, na primeira metade do século XX, descambou nas duas maiores
tiranias da história). A sociedade atual, com suas mazelas, com os preocupantes
desvios de uma parte não pequena da juventude (basta pensar nas drogas) é de
molde a reacender uma autêntica “saudade das virtudes”. Mas, pergunto-me, será
possível ao mesmo tempo em que se exalta como nunca a “liberdade ilimitada”,
como único valor moral, ao passo que se desprestigia a família?
Pois bem, diante disso, creio necessário que nos perguntemos: onde é que
a nossa juventude aprende a virtude, que dever ser, acima de tudo, um valor
reconhecido e amado pela criança, pelo adolescente e pelo jovem, uma convicção
enraizada, uma prática exercida com empenho, da qual depende o bem da pessoa e
da sociedade?
A família, sim, a família já foi e ainda agora deveria ser o ambiente de cultura mais propício para a descoberta, a valorização, o aprendizado e a prática das virtudes. Mas, em que é está a família entre nós? Será que o mundo de hoje esquece que a família é a estrutura vital e moral indispensável para a construção do bem da sociedade?
A família, sim, a família já foi e ainda agora deveria ser o ambiente de cultura mais propício para a descoberta, a valorização, o aprendizado e a prática das virtudes. Mas, em que é está a família entre nós? Será que o mundo de hoje esquece que a família é a estrutura vital e moral indispensável para a construção do bem da sociedade?
Hoje em dia, como dizia o jurista Pedro J. Viladrich, a sociedade tem
uma escolha a fazer: ou ser uma “constelação de famílias”, dessas células
primárias, vitais, naturais, sadias, que constituem o bom tecido social; ou ser
um “aglomerado de indivíduos”, preso cada um deles ao interesse particular e
ligado aos demais por aquilo que Gustave Thibon chamava de “egoísmo
compartilhado”.
Portanto, queridos irmãos no episcopado, cabe a nós também a missão de
ensinar a nossos jovens que, como filhos e filhas de Deus pelo Batismo, tem a
importante tarefa de fazer que o amor entre nós seja uma projeção do amor que
acontece entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, simbolizado na cruz peregrina
da Jornada Mundial da Juventude e que no Rio será mais uma vez derramado sobre
todas as nações, através dos jovens que participarão naquela significativa
manifestação.
É esta a tarefa que, junto com a cruz, os jovens brasileiros levarão
para o Rio de Janeiro: levar ao mundo inteiro, através de seu testemunho, o
amor que Deus tem por nós.
Encaminhemo-nos, junto com nossos jovens, para o Rio de Janeiro na
perspectiva do Ano da Fé, esta linda iniciativa que quer ser um CONVITE para
uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo que,
doando seu amor, introduziu numa nova vida.
Em virtude da fé, possa esta vida nova plasmar toda a existência humana
segundo a novidade radical da ressurreição, transformando nossas mentalidades e
pensamentos para sermos, pouco a pouco, purificados e transformados em Cristo.
Eminências, Excelência, caros amigos,
Ao concluir, faço votos que a Campanha da Fraternidade alcance seus
objetivos primários de revitalizar em todos os segmentos da sociedade o sentido
mais nobre dos valores que norteiam a juventude brasileira.
Agradeço a atenção dispensada e peço ao Altíssimo abundantes graças para
todos, a fim de que a luz do Espírito Santo ilumine esse evento de capital
importância para a Igreja e para o Brasil.
Muito obrigado!
+ Giovanni d’Aniello
Núncio Apostólico
Núncio Apostólico
Fonte:http://www.cnbb.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário